O Presidente da República, Cavaco Silva, eleito em 2006, vem exercendo o seu mandato de uma forma, diríamos, sui generis, pelo menos se levarmos em linha de conta a forma como os seus dois antecessores, Jorge Sampaio e Mário Soares, encararam a função presidencial e a interpretação que cada um deles fez dos poderes que a Constituição da República Portuguesa lhes confere.
Com efeito, uma das chancelas com que Cavaco tem carimbado estes quase quatro anos e meio de mandato, é precisamente o facto de ter adoptado o já famoso modelo do “tabu”, muito usado nos anos oitenta e noventa quando era primeiro-ministro, e agora trazido das cinzas para a actualidade.
Para além da sua recandidatura a Belém estar envolta num misticismo atroz, só compreensível à luz de uma estratégia política cobarde e desadequada face aos tempos que vivemos, o presidente vem-nos habituando ao silêncio das suas posições, também ele inapropriado e francamente absurdo: nunca comenta nada quando lhe é directamente perguntado, sobretudo quando está em causa a acção política do governo, ora porque não é o momento ou o local mais adequado, ora porque está no estrangeiro e, à distância, não se pode pronunciar sobre este ou sobre aquele tema da actualidade, ora ainda porque não compete ao Presidente da República emitir opinião sobre isto ou sobre aquilo.
Trata-se, na verdade, de um discurso (ou, melhor dizendo, de um não-discurso) que se torna a todos os títulos enfadonho e que já começa a transparecer que Cavaco Silva não tem opinião sobre coisa nenhuma.
Pode até soçobrar a ideia e a crítica legítima de que o Presidente poderá ver o feitiço virar-se contra o feiticeiro, acaso esteja a exercer o seu mandato com excesso de zelo, ou a fazer uma interpretação fatalmente restritiva dos poderes presidenciais.
Acresce que as famosas comunicações extemporâneas ao país, a que também já nos vem habituando, normalmente acabam por parir um rato, apenas contribuindo, na nossa modesta opinião, para desgastar ainda mais a sua já frágil imagem de acólito prosélito do bem, da moral e dos bons costumes.
Quem não se lembra de dois casos tornados famosos à força: o do veto ao Estatuto Político-administrativo dos Açores (comunicação feita em Julho de 2008) e o da promulgação da Lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo (em Maio de 2010)?
Sem querer aferir aqui das razões de substância e de princípio que estiveram na base das duas decisões, o importante para este texto é fazer notar que Cavaco Silva optou mal nos dois apontados exemplos.
E optou mal, apesar de as questões não serem de menor importância, não só porque, como já referimos, foram extemporâneas, como também o presidente abriu um precedente inútil e sem aplicabilidade prática, isto é, vir discutir estas questões para a praça pública não constitui uma mais-valia em termos políticos, nem muito menos abonam para uma sua eventual recandidatura.
Para além de que fica a ideia errada que o Presidente da República deve dar publicamente conta de todas as posições que assume, ainda que elas decorram do exercício normal das suas funções.
Ainda para mais, quando sabemos que em situações muito mais periclitantes ou obscuras, o presidente não seguiu a mesma linha de raciocínio, de que são exemplo as alegadas e célebres escutas a Belém.
Por estas e por muitas outras razões, continuamos a acreditar que Cavaco Silva não foi talhado para exercer o mais alto cargo da nação, e não deveria ser, portanto, o próximo presidente de Portugal.
A bem do país e dos portugueses.