A MORTE DE PLÍNIO, O ANTIGO
“Pedes-me que te descreva o fim de meu tio, para poderes transmiti-lo com verdade aos vindouros: fico-te muito grato. Prevejo que a sua morte, através das tuas obras, beneficiará de glória imortal…”.
“…Encontrava-se ele em Miseno (promontório a oeste da baía de Nápoles, a cerca de quarenta quilómetros de Herculano), como comandante da frota. No dia 9, antes das Calendas de Setembro (24 de Agosto), por volta da hora sétima (treze horas), minha mãe mandou dizer-lhe que estava a surgir uma nuvem de tamanho e aspecto excepcionais; ele tinha acabado de tomar o seu banho de sol, depois o banho frio e, após uma ligeira refeição, trabalhava calmamente; pede os sapatos e sobe a um lugar elevado, de onde melhor se podia observar o prodígio. No ar elevava-se uma nuvem (de longe não podia saber-se sobre qual montanha; soube-se depois que se tratava do Vesúvio) muito semelhante a um pinheiro. Na realidade, estirada uma espécie de tronco, alargava-se nos ares como um ramalhete, impelida, com certeza por um forte sopro ascendente; depois, quando esta pressão cessava, a nuvem, vencida pelo seu próprio peso, desvanecia-se e alargava-se, ora branca, ora cinzenta, conforme vinha carregada de terra ou de cinzas.
O fenómeno pareceu a meu tio digno de ser estudado mais de perto. Manda aparelhar uma galera liburniana… Quando estava a sair de casa, recebe um bilhete de Rectina, a mulher de Casco, assustada com o perigo que a ameaçava: de facto, a sua casa estava situada em nível inferior ao do vulcão e só podia fugir por mar; suplicava-lhe que a arrancasse a uma morte tão funesta. Meu tio mudou então de opinião e o que tinha empreendido por amor da ciência prosseguiu-o por amizade. Manda sair as quadrirremos e embarca, resolvido a socorrer não apenas Rectina mas o maior número possível de pessoas. Apressam-se em direcção ao local de onde os outros se afastam e ruma direito ao perigo.
… Já a cinza caía sobre o navio: à medida que se aproximavam, tornava-se mais quente e mais densa; já se viam também pedras-pomes e seixos negros, queimados e rebentados pelo fogo; acabara de aparecer um baixio e as rochas que caíam impediam o acesso à margem. Hesitou por instantes: poderia depois voltar para trás? Ao piloto, que lhe aconselhava isso mesmo, respondeu: a sorte favorece os corajosos; ruma para a casa de Pomponiano. Este encontrava-se em Estábias, separado por metade do golfo… O vento, muito favorável, impeliu-o a todo o pano, de forma que depressa pôde abraçar o amigo assustado, consolá-lo, encorajá-lo e, para o tranquilizar, foi calmamente tomar banho. Depois, senta-se à mesa e come com apetite…
(Deviam ser cerca de dezoito horas. Em Pompeia deixara de haver vida a partir das treze horas. Herculano, por sua vez, acaba também por entrar na História, à hora em que Plínio, o Antigo, desembarca em Estábias).
Entretanto, o Vesúvio brilhava em vários sítios, com chamas enormes, acompanhadas de colunas de fogo, cujo vivo esplendor e claridade eram avivados pelas trevas da noite. Meu tio foi descansar e adormeceu profundamente… Mas o pátio que dava acesso ao seu quarto estava já cheio de cinzas, misturadas com pedra-pomes atingindo uma altura tal que, se meu tio ali ficasse mais tempo, não poderia já sair. Foram acordá-lo; levanta-se e junta-se a Pomponiano e aos outros, que tinham velado toda a noite. Deliberam em comum: deviam permanecer em casa ou sair? Com efeito, os edifícios oscilavam, abalados pelos tremores de terra e atingidos nos seus alicerces. Por outro lado, ao ar livre, arriscavam-se a ser feridos pelos fragmentos de pedra-pomes, apesar de leves e porosos. No entanto, foi esta a decisão adoptada, depois de pesados os diferentes géneros de perigo…
Arranjam almofadas e amarram-nas à cabeça com peças de roupa, para se protegerem do que caía das nuvens.
O dia já tinha nascido, mas aqui continuava a ser noite, mais espessa do que todas as outras noites; apesar disso, numerosos clarões vermelhos e luzes diversas iluminavam por vezes as trevas. Dirigiram-se para a margem, na esperança de conseguirem fazer-se ao mar, sempre agitado. Ali, deitado sobre uma peça de pano estendida, meu tio pediu água fresca por diversas vezes e adormeceu. Depois as chamas e o cheiro a enxofre obrigaram os companheiros a fugir e acordaram-no. Apoiando-se em dois jovens escravos, tenta levantar-se, mas cai imediatamente. Suponho que o fumo, demasiado espesso, lhe tinha obstruído a respiração e fechado a laringe, que, por natureza, era fraca, estreita e com frequência oprimida. Quando o dia nasceu (o terceiro, depois do que ele tinha visto pela última vez), o seu corpo foi encontrado intacto, em perfeito estado, coberto ainda com as roupas que tinha vestido à partida. A sua atitude assemelhava-se mais à de um homem que descansa do que à de um morto”.
(Continua…).