A propósito das eleições presidenciais do próximo ano, o Presidente da República, Cavaco Silva, confrontou o país com mais um dos seus habituais tabus – desta vez, o que soçobrou no ar foi a questão de saber se o Presidente vai ou não apresentar a sua recandidatura a Belém.
Ao seu estilo desajeitado de sempre, Cavaco Silva lá foi dizendo que iria primeiro consultar os “calendários pré-eleitorais” dos seus antecessores (para ver qual tinha sido o momento em que oficializaram as suas recandidaturas) e auscultar a opinião da família.
Estas “escapadinhas” aconteceram quando era primeiro-ministro, e acontecem agora enquanto Presidente da República.
Só que, o que temos vindo a assistir é que quando a situação política do país exige a sua posição ou opinião frontal e inequívoca, Cavaco Silva fecha-se numa redoma de vidro e para lá hiberna até que se predisponha a falar… quando se predispõe a falar.
O que legitimamente se pode perguntar é se esta hibernação é pura estratégia ou se é muito mais do que isso, assumindo antes uma clara e preocupante falta de capacidade argumentativa ou simplesmente de falta de opinião.
Para alguém limitado nas ideias, é muito mais fácil e cómodo esconder-se atrás de um vago “não posso nem devo comentar” ou “não é o local ou o momento mais oportuno”.
Mas, a história tem-nos revelado que Cavaco Silva não tem sido coerente nos seus silêncios.
Ainda a propósito dos recentes episódios lastimáveis e degradantes em torno da justiça e dos poderes do procurador-geral da República Pinto Monteiro, Cavaco Silva, instigado pelos jornalistas a emitir uma opinião sobre o que pensava de tudo isto, limitou-se a dizer que não compete ao Presidente da República pronunciar-se sobre estas matérias.
Ora, sabendo-se que o Presidente da República tem, por exemplo e por diversas vezes, emitido opinião relativamente à situação económico-financeira do país, chegando ao ponto de receber em Belém um grupo de ex-ministros das Finanças para conversarem sobre o assunto, não se compreende então que Cavaco Silva não diga ao país o que pensa sobre os recentes casos que envolvem a justiça portuguesa.
Nem se venha com o argumento de que o poder judicial, sendo um Órgão de Soberania e, por isso, independente e autónomo, está imune aos comentários do Presidente da República.
Por esta ordem de ideias, o Governo também é um Órgão de Soberania, e nem por isso Cavaco Silva se tem escusado a dirigir-lhe recados e indirectas, aliás, diga-se em abono da verdade, algumas vezes legítimas e perfeitamente enquadráveis nos poderes que a Constituição lhe confere.
Para além disso, os seus discursos oficiais, mormente no 5 de Outubro, no 25 de Abril e no 10 de Junho, são autênticos recados e avisos à navegação, uma espécie de orientações à acção governativa que quer impor ou fazer crer que são a melhor alternativa ao rumo que o país tem levado.
A aposta no turismo, nos recursos do mar e nas tecnologias são temas centrais que fazem parte dos seus discursos oficiais, constituindo, assim, exemplos bastantes de que o presidente quando quer fala e imiscui-se em ceara alheia.
Isto não quer dizer, contudo, que o Presidente da República, qualquer que ele seja, se limite a ser uma caixa de ressonância do governo ou um órgão acéfalo, sem opinião e mero espectador passivo das realidades e das políticas do seu país.
Pelo contrário, ele deve ser, por exemplo, o árbitro e o moderador da vida democrática, um espectador atento da vida política, económica, social e cultural do país, um conciliador, um cooperante não só com o Governo, mas também com a Assembleia da República e, por que não, com os Tribunais, e o garante do regular funcionamento das instituições democráticas.
E é precisamente neste ponto que a “porca torce o rabo” (perdoe-se-nos a expressão), ou seja, não compreendemos a posição dúbia que o presidente assume nas várias intervenções públicas que tem fazendo, falando em determinadas circunstâncias e calando-se noutras, porventura quando a actualidade ou os assuntos não lhe estão de feição.
Não pode pois haver dois pesos e duas medidas, e nesta questão que envolve o funcionamento e a credibilidade da justiça no seu conjunto o Presidente da República deveria ter explicado aos portugueses o que pensa de tudo isto, já que, em última instância, o que está em causa é o regular funcionamento das instituições democráticas, as mesmíssimas que a Constituição da República Portuguesa lhe confere o direito e o dever de velar.
Só assim se compreende que o Alto Cargo que desempenha e as suas funções não possam ficar reféns da sua vontade ambígua e oscilante, nem de uma errante ou conveniente interpretação dos poderes presidenciais.