Já Churchill dizia que não são os partidos da oposição que ganham eleições, mas antes é o partido do poder que as perde.
Por cá, algumas mentes mais iluminadas também disseram que não foi o PSD nem o CDS-PP que venceram as legislativas de 5 de Junho passado, foi o PS de Sócrates que as perdeu ingloriamente.
Não sabemos se a narrativa está certa, apenas constatamos que Passos Coelho é agora o primeiro-ministro de Portugal, com um governo de coligação com o CDS-PP.
Sabemos também que o Partido Socialista foi o grande derrotado nestas eleições, e que José Sócrates, ao assumir em plena noite eleitoral que os resultados negativos alcançados pelo PS eram de sua única responsabilidade, entendeu que havia chegado o momento de abrir um novo ciclo político dentro do próprio Partido Socialista, dando assim espaço a uma nova liderança e a uma nova estratégia, e escancarando os corredores do partido para que as tropas se comecem a mobilizar para eleger o novo secretário-geral do Partido Socialista.
Seguro e Assis, já mobilizados para o embate final, terão certamente razões para achar que a conjuntura internacional e as medidas duríssimas, mas necessárias, que têm vindo e continuarão a ser impostas aos portugueses foram as principais razões para que estes penalizassem o seu partido nestas eleições.
Nem será estranho que os socialistas se mostrem inclinados a repetir o mesmo argumento de que a bola de neve das crises financeira e económica internacionais terem sido fatais para o país, a que se juntaria a crise das dívidas soberanas e o efeito dominó que as sucessivas medidas (ou não-medidas?) tiveram ao nível do crescimento da economia, mas também no equilíbrio das contas públicas.
Nesta perspectiva, e ainda à luz da ideia de Churchill, parece de admitir que foi de facto o Partido Socialista (o partido do poder) que perdeu as eleições, e não o PSD que as ganhou.
Ainda que este argumento possa ser verdade, dentro do PSD certamente há-de prevalecer a ideia de que os portugueses “chumbaram” a avaliação de desempenho do governo, não só pelo percurso irresponsável e sinuoso a que Sócrates expos o país ao longo (sobretudo) dos últimos quatro anos, com muitas curvas e contracurvas, mas também porque, por consequência dessas erradas políticas e má prática governativa, o governo contribuiu para o descalabro económico e financeiro do país e, em particular, do ponto de vista social e das condições de vida dos portugueses.
Aqui o PSD encontra os condimentos necessários para cantar vitória, e acaba por subverter mais uma vez a ideia de Churchill, subsistindo a dúvida de saber se foi o PSD que venceu as eleições ou se foi o PS que as perdeu.
Alguns poderão dizer que ambas as afirmações são verdadeiras, ou seja, quer estejamos do lado do partido vencedor ou do partido derrotado, as perspectivas vão sempre condizer com a posição que ocupamos: se um partido ganha as eleições, o impulso natural é para se afirmar vitorioso e assumir o feito como uma grande conquista; já se se tratar do partido derrotado, a tendência é no sentido de que assuma essa derrota e interiorize essa perda.
Foi assim com Passos Coelho e com José Sócrates.
Sócrates assumiu plenamente os resultados eleitorais que penalizaram o PS, pôs o seu lugar à disposição do Partido Socialista e afastou-se por tempo indeterminado.
Passos Coelho interiorizou a sua vitória, embora as actuais circunstâncias do país não deixassem margem ao partido para exteriorizações frenéticas de entusiasmo pela conquista do poder.
Coelho foi comedido na festa, não cantou de galo, mas nem por isso deve ter deixado de sentir um enorme alívio e um impulso de entusiasmo e alegria. Certamente que na sua óptica não foi o PS que perdeu as eleições, foi o PSD e a sua liderança que melhor soube conquistar a confiança dos portugueses e venceu as eleições.
O problema aqui não é pois de forma, é antes de conteúdo.
Na verdade, não importa tanto saber se é o partido que está no poder que perde as eleições em detrimento daquele(s) que está(ão) na oposição, nem se a tónica deve ser colocada naqueles que, estando na oposição, ascendem ao poder pela vitória nas eleições.
O que importa saber é qual a razão por que um partido perde eleições.
Logo, o que importa saber nesta história não é se o Partido Socialista encara este desaire eleitoral como uma responsabilidade sua, ou se o PSD beneficiou do desgaste do governo e da crise instalada no país para se refastelar em São Bento.
Não nos importa que o PSD assuma a vitória e que o PS expie os seus pecados.
O que vemos como mais importante é que o novo governo, juntamente com os parceiros sociais e a sociedade civil, saiba doravante, entre outras coisas, estar à altura das dificuldades, saiba aproveitar os numerosos diagnósticos realistas sobre o país que foram sendo feitos ao longo dos anos, saiba corrigir os erros e enquistamentos que corroem o funcionamento da administração pública como um todo, saiba procurar consensos e compromissos alargados para a exigente tarefa de aplicação do programa de resgate assinado com as instituições internacionais, ou que, numa perspectiva macroeconómica, seja ambicioso o bastante para resolver de uma vez por todas o estrangulamento da actividade económica, a sua estagnação e recessão, o problema do endividamento público e privado, o desequilíbrio das contas públicas, já para não falar no plano social e no desemprego, questões que têm vindo a acentuar-se e a constranger de forma absolutamente penosa as famílias portuguesas.
Mas, este é também o momento para enveredarmos por uma exigente reflexão sobre o queremos ser enquanto país, que objectivos temos para Portugal, e desses, quais irão moldar e condicionar as nossas tarefas actuais.
Afinal, em ordem a que superiores interesses nacionais estamos todos convocados para o jogo arriscado e de sacrifício que o futuro nos reserva?
Não basta dizermos apenas que o país é um pântano ou que está de tanga, que existem esqueletos escondidos no armário e que só discutimos “pintelhos”, ou ainda que não há dinheiro nem para mandar cantar um cego.
Não basta dizer ou criticar, é preciso agir, mas com urgência.
O erro em que Portugal caiu durante largos anos – o de discutir os problemas pela rama e não os aprofundar nem os encarar de frente, reféns que sempre estão os partidos políticos da popularidade dos seus governos e da perspectiva egocêntrica de uma reeleição – conduziram-nos ao ponto de ruptura em que nos encontramos.
Agora, é tempo de sermos nós – os portugueses – a criar uma ruptura com os paradigmas obsoletos do passado e a catapultar o país para a linha da frente.
E Portugal tem tantas possibilidades…
Esperamos que o governo de coligação PSD / CDS-PP não nos desiluda e que faça aquilo que o governo de Sócrates não fez, sob pena de estarmos a desperdiçar uma das últimas oportunidades de ouro para agarrar com sucesso o futuro.
Quem ganha e quem perde? Quem ganha não sabemos, mas quem perde é seguramente o país e os portugueses.